Gostaria de escrever sobre a
primavera, mas ela chegou faz tempo e não demorará a ir embora. Em boa hora a primavera chegou. Queria falar sobre essa hora e sobre essa mais nova primavera... Será que ainda é relevante? Será que ainda vale a pena dizer
que o inverno deu lugar à estação que eu mais esperava?
Eu esperei por ela e como
esperei. Em alguns momentos ela parecia que nunca mais ia chegar. Eu já estava
amargurada com o frio, com o céu sempre desgostoso da vida, com o ar gelado que
me feria os lábios, com as cores mortas com as quais, inconscientemente, me identificava...
Ouvi dizer que temos tendência a odiar aquilo que, para gente, é como um
reflexo no espelho.
Eu queria cores! Deixei-me
encantar pelas tímidas folhas que surgiram nas pontas das árvores desfolhadas
pela fúria da estação anterior. Senti resquícios de esperança ao ver as
vitrines serem invadidas pelas blusinhas de cores radiantes e pelos vestidinhos
de estampas florais. A essa altura, já me consumia a antipatia pelos tons
pastéis.
A ilusão foi instaurada quando me
encontrei com o primeiro Ipê que já estava amarelo. A sensação de que havia me
reencontrado com a melhor das estações se reforçou quando vi cair do alto de um
Jacarandá recheado pela cor lilás a última folha que nele ficaria durante
aquela estação.
Eu me deixei levar, novamente,
pela doce estação que hora ou outra traz sua cólera , sua secura, seus ares
tóxicos e seus tons piores que os pastéis. O clima seco e a selvageria dos
ventos espalham o fogo, a fumaça, o transtorno e o arrependimento naqueles que
tanto esperaram a falsa calmaria da primavera. Nem só de céu azul, temperatura
agradável à pele e flores é feita a primavera. É difícil de lidar, porque ainda
não aprendi a brincar com a beleza, com a alegria ao mesmo tempo que brinco com a feiura e com a dor.
Hoje, eu só quero que a primavera
acabe e leve consigo os momentos pífios de alegria e conforto que me
proporcionou. De nada vale a beleza do azul anil distorcido pelo cinza que
paira na atmosfera. De nada vale o calorzinho aconchegante dos raios desse sol
tão otimista quando uma falsa neblina o transforma em uma mera bolo de fogo que
não irradia nada a não ser desconforto. De nada me serve a chuva de fuligem que
não mata minha sede.
