Eu nasci para ser só. E para
aplaudir aqueles que sorriem acompanhados. Eu nasci para dar nós nas pontas das
cortinas e assim expor a janela pela qual eu observo e admiro amores alheios. Eu
nasci para limpar o pó que diariamente se acumula em meu coração. Eu nasci para
servir de pouso aos passarinhos que viajam rumo a corações de terceiros para
semear suas sementes. Eu nasci para ser
só, e para ver essas flores florescerem. Talvez, isso faça eu ter propriedade e
sobriedade para falar sobre o amor.
Eu nasci para ser só e para
escolher permanecer só. Nasci para me olhar no espelho e sentir que tenho o
bastante. Nasci para dizer que não tenho paciência e que me enjoo rápido de
tudo que se pareça com a rotina. Nasci para ser só e me parece que gosto disso.
Afinal, nasci com apreço por deixar os outros irem, não sou o tipo de pessoa
insistente. Nasci para nunca implorar para alguém ficar. Talvez por isso, eu
tenha facilidade para limpar tanta bagunça sozinha.
Eu nasci para escrever sobre a solidão e sobre
os romances que vi, de longe, vingarem. Nasci para ser terceira, e não primeira
pessoa. A coadjuvante. A narradora onisciente. A poetisa boêmia. Nasci para
viver tudo, menos o amor reciproco. Nasci para aceitar e para não prender com correntes
os pés daqueles que amei. Nasci para ser só e para ser leve como uma pluma. Sou
grata. Talvez, eu não tenha nascido para dar nós e sim para desatá-los. Afinal,
em um momento ou outro sempre desato o nó da cortina e cubro a janela. Talvez,
eu não tenha nascido para ser só, mas sim para saber o momento certo de sair de
cena e parar de observar.

