Na hora de dormir ela chora e conta nos dedos os sonhos que um dia teve. Suspira e lembra-se que perdeu a chave que abre o baú no qual os guardou. Ao sentar-se em sua cama encosta seus pés trêmulos no chão frio e seu semblante desfalecido não muda. Dominada pela apatia tenta contar nos dedos os planos que um dia teve e chora por não conseguir se lembrar deles. O choro silencioso e comedido lhe tira do modo manual e, automaticamente, ela decide ir viver. Viver uma vida que se transformou em um eterno escovar dentes, vestir roupas adequadas, cumprir protocolos, lidar com obrigações, passar parte do dia sentada em cadeiras pouco confortáveis, ou em pé em filas que causam dor nas pernas ao fim do dia, ouvir conversas aleatórias que nada acrescentam em sua vida e que inevitavelmente entram em um ouvido e saem pelo outro.
Assim, enquanto segura a senha que lhe permitirá ser atendida no banco, ela fecha os olhos e conta nos dedos as dores que um dia sentiu e chora por dentro ao constatar que elas não lhe cabem nas mãos. Ao ouvir o sinal que lhe chama para o atendimento ela se levanta mesmo sem forças, engole o choro por alguns segundos, paga suas contas, resolve seus problemas e pega o boleto para pagar no próximo mês. Meio tonta vence a porta giratória, cumprimenta o vigilante com uma leve tristeza nos olhos, aperta os passos, o corpo sente o choque ao deixar o ar condicionado e se chocar com o sol quente, ela aperta ainda mais os passos, certifica-se de que não tem ninguém olhando e “implode”. O choro compulsivo lhe invade e os passos ficam cada vez mais apertados e desordenados. Aflita ela conta nos dedos os medos que ela tanto tem, e desnorteada, atordoada, já quase sem ouvir ou ver, o choro cessa, os medos aumentam e eles já não lhe cabem na alma.

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