quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Narradora onisciente


Eu nasci para ser só. E para aplaudir aqueles que sorriem acompanhados. Eu nasci para dar nós nas pontas das cortinas e assim expor a janela pela qual eu observo e admiro amores alheios. Eu nasci para limpar o pó que diariamente se acumula em meu coração. Eu nasci para servir de pouso aos passarinhos que viajam rumo a corações de terceiros para semear suas sementes.  Eu nasci para ser só, e para ver essas flores florescerem. Talvez, isso faça eu ter propriedade e sobriedade para falar sobre o amor.

Eu nasci para ser só e para escolher permanecer só. Nasci para me olhar no espelho e sentir que tenho o bastante. Nasci para dizer que não tenho paciência e que me enjoo rápido de tudo que se pareça com a rotina. Nasci para ser só e me parece que gosto disso. Afinal, nasci com apreço por deixar os outros irem, não sou o tipo de pessoa insistente. Nasci para nunca implorar para alguém ficar. Talvez por isso, eu tenha facilidade para limpar tanta bagunça sozinha.

Eu nasci para escrever sobre a solidão e sobre os romances que vi, de longe, vingarem. Nasci para ser terceira, e não primeira pessoa. A coadjuvante. A narradora onisciente. A poetisa boêmia. Nasci para viver tudo, menos o amor reciproco. Nasci para aceitar e para não prender com correntes os pés daqueles que amei. Nasci para ser só e para ser leve como uma pluma. Sou grata. Talvez, eu não tenha nascido para dar nós e sim para desatá-los. Afinal, em um momento ou outro sempre desato o nó da cortina e cubro a janela. Talvez, eu não tenha nascido para ser só, mas sim para saber o momento certo de sair de cena e parar de observar.

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